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2009-12-26

Ano Internacional da Astronomia - Dia 355 "Imagem de Nossa Senhora da Conceição"

Alfredo Borba e Félix Rodrigues

Nas cortes celebradas em Lisboa no ano de 1646, el-rei D. João IV, declarou que tomava a Virgem Nossa Senhora da Conceição por padroeira do Reino de Portugal e Rainha de jure. Não foi D. João IV o primeiro monarca português que colocou o reino sob a protecção da Virgem, apenas tornou mais permanente uma devoção, a que os nossos reis se acolheram algumas vezes em momentos críticos para a pátria, desde o reinado de Dom Afonso Henriques, que venerava a Nossa Senhora da Oliveira à qual mandou ereger a Catedral de Guimarães, a evocação de Maria mais antiga de Portugal. A imagem de Nossa Senhora da Oliveira é uma obra que retrata uma Nossa Senhora sozinha, sem menino, e de mãos postas.
A coroação de Maria como Rainha de Portugal aconteceu num momento em que a legitimidade da casa reinante e a independência do país era questionada por outros países que não tinham sido reconhecidos pelo Papa, dominado pela casa de Espanha.
A imagem tradicional de Nossa Senhora da Conceição, inspirada numa obra de Murillo (La Immaculada de El Escorial, 1618-1682) coloca a Virgem sobre uma meia-lua e um globo (ver imagem seguinte), no entanto, existem muitas variações desta representação que alguns especialistas de arte sacra associam a um determinada época.
Provavelmente, a primeira representação da concepção de Maria (cujo termo se foi degenerando passando de Concepção para Conceição) personificada numa mulher, aparece na obra de Carlo Crivelli em 1492, hoje propriedade da National Gallery inglesa. Nela pode-se observar uma mulher com as mãos postas, e sobre ela, dois anjos que erguem uma faixa onde se lê: Ut in mente Dei ab initio concepta fui ita facta sum (na mente de Deus desde o início fui concebida e assim fui feita).


A Imaculado do Escorial de Bartolome Esteban Murillo
Na figura seguinte apresenta-se uma representação de 1648, de Nossa Senhora da Conceição tal como era vista na época.

Nossa Senhora Rainha de Portugal

Se repararmos na imagem anterior muitos desses elementos se mantiveram associados à Imaculada Conceição até ao século XVII, quando Nossa Senhora da Conceição é declarada Padroeira e Rainha de Portugal. Já nessa altura os espanhóis tinham baptizado uma das caravelas da carreira das Índias Ocidentais com o nome de “Nuestra Señora de la mui límpida y pura conceptión”.
A cor do manto e da túnica da Virgem Maria, tem variado ao longo dos tempos. No inicio da era cristã, o manto passou a ser uma vestimenta que envolve as imagens das diferentes manifestações da Virgem Maria. Na imagem de Nossa Senhora da Misericórdia, do século XV, esta tem um vasto manto azul celeste aberto que abriga representantes de todos os grupos sociais. Também no século XV apareceu no ocidente o ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, com o seu manto azul e dourado sobre uma túnica vermelha, presumivelmente de origem grega. A túnica vermelha de Maria significava que ela pertencia à genealogia dos reis da Casa de David. A imagem de Nossa Senhora da Conceição da figura anterior tem esses ícones: manto azul e túnica vermelha.
A imagem de pedra de Nossa Senhora da Conceição do Museu de Angra do Heroísmo possui um manto azul e uma túnica branca, com semelhanças com a representação de Murillo, o que nos leva a pensar numa data posterior à da eleição de Nossa Senhora da Conceição como Padroeira e Rainha de Portugal, pois nessa altura a Virgem era representada com uma túnica vermelha e como adiante explicaremos. O manto azul dessa imagem tem uma distribuição homogénea de estrelas apenas na parte da frente do manto, desenhadas com pouca habilidade.
Em 1830, Santa Catherine Labouré faz uma descrição da Virgem como tendo um manto azul sobre uma túnica branca. Alguns anos mais tarde, em França, a descrição de Nossa Senhora de Lourdes, por Santa Bernadette, é de uma Senhora com um manto e túnica branca contendo à cintura uma fita azul. No século XX, os pastorinhos de Fátima descrevem a Virgem, em Portugal, como tendo um manto branco sobre uma túnica branca, tendo desaparecido a fita azul. O branco é um símbolo da pureza de Maria.
Relativamente a Nossa Senhora de Fátima, a descrição de Lúcia, aos 94 anos de idade era a seguinte: Em cima de uma azinheira, viram uma Senhora de branco, mais brilhante do que o sol. “Ela emanava uma luz mais clara e intensa que um copo de cristal, cheio de água cristalina, atravessado pelos raios do sol mais ardente”. Há representações de Nossa Senhora de Fátima onde o manto tem um tom azulado, todavia essa tonalidade não existe na representação de José Thedim.
A imagem do Museu de Angra do Heroísmo, tem uma túnica branca, com algumas semelhanças com a túnica de uma das representações de “Nossa Senhora de Fátima”. Existem representações de Fátima em que é dado um leve tom azulado à túnica. O facto da imagem ser toda branca deriva da imaginação do primeiro artista que o esculpiu e não directamente da descrição dos videntes. Esta primeira imagem marcou a iconografia futura de Fátima e na opinião de alguns negativamente.
Na maioria das representações da Imaculada Conceição, os pés da Virgem não são visíveis ou então aparece descalça, com sandálias ou botins castanhos. Na imagem em questão, a Virgem possui botins brancos e as margens do manto estão decoradas com motivos vegetalistas, como era típico no século XVIII.
É possível observar, no Museu de São Roque, na colecção de escultura da Misericórdia de Lisboa, uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, da segunda metade do século XVII, com manto azul sobre uma túnica dourada, de onde sobressaem mangas vermelhas. Também existem imagens, em colecções privadas representações de Nossa Senhora com uma túnica vermelha e com uma segunda túnica branca por cima, dando a sensação de ser uma única túnica branca.
Nas figuras seguintes, apresenta-se, à esquerda, uma pintura de 1616 de Francisco de Pacheco (1554-1644), onde a Imaculada Conceição, pousa sobre a Lua com um “crescente invertido” e veste um manto verde sobre uma túnica vermelha, e à direita, numa pintura de 1634, de Francisco de Zurbarán (1598-1664), pousa sobre uma Lua com um crescente que ultrapassa a dimensão da Lua. A Virgem nesta última pintura veste um manto azul com uma túnica vermelha.
Na pintura da direita, Nossa Senhora da Conceição está coroada por doze estrelas, que alguns peritos afirmam representar as doze tribos de Israel, enquanto que a da esquerda é coroada pelo Sol do Apocalipse.
Na imagem de Nossa Senhora da Conceição do século XVIII, presente na Capela-Mor da Igreja de São Roque, esta tem como principal atributo, o crescente lunar a seus pés, as mãos postas, uma túnica verde ornada a flores e um manto azul forrado a vermelho. Também no Museu de São Roque se encontra uma imagem de terra-cota de Nossa Senhora da Conceição (segunda metade do século XVIII) sobre um crescente lunar, com túnica rosada e manto azul.
A imagem de Nossa Senhora da Conceição (inv nº99 do Museu de São Roque), tem as seus pés os ícones tradicionais, túnica branca e manto azul (séculos XVIII/XIX). A imagem da irmandade de São Roque (inv nº51) tem manto azul decorado a estrelas e túnica lilás (Século XVIII/XIX). Curiosamente, é na imagem de Nossa Senhora da Conceição do Museu de São Roque do século XX (inv nº65) que a Virgem aparece com túnica branca pulverizada de estrelas e manto azul, contendo muitos dos ícones anteriormente referidos excepto o crescente lunar e as mãos postas.
O acto de se coroar Nossa Senhora da Conceição como padroeira e Rainha de Portugal, a 25 de Março de 1646, numa cerimónia solene realizada em Vila Viçosa, para lhe agradecer a Restauração da Independência de Portugal em relação a Espanha, e como forma de devoção e agradecimento à Virgem pela protecção dispensada, talvez tenha conduzido à coroação das imagens produzidas ou veneradas em Portugal. A coroa da imagem de Nossa Senhora da Conceição do Museu de Angra do Heroísmo, não é nem a coroa real, típica das imagens portuguesas da Imaculada Conceição, nem a coroa Mariana que aparece em muitas das suas representações, mas sim uma coroa de Príncipe. A coroa de Príncipe era constituída por um aro de ouro enfeitado com gemas e sustentando nove florões de ouro cada um carregado com uma pérola. A coroa que a imagem de Nossa Senhora da Conceição do Museu de Angra do Heroísmo possui tem 9 florões e é enfeitada com 18 desenhos que imitam pedras preciosas. Tal tipo de coroa é muito pouco comum, mas indicia que a imagem é posterior à coroação da Imaculada Conceição pela monarquia portuguesa. Desde a coroação de Nossa Senhora, mais nenhum rei português usou coroa na cabeça, por se considerar que só a Virgem tinha esse direito. Nos quadros onde aparecem reis ou rainhas, a coroa está pousada ao lado, sobre a mesa, num tamborete ou almofada de cetim.
Assim, as doze estrelas que coroavam a Imaculada Conceição, passaram em Portugal e também nos países com influência portuguesa, a partir de 1646, a ser substituídas por uma coroa. O número doze é um número especial nas várias culturas e tradições europeias: existem 12 signos do Zodíaco; 12 horas num relógio; 12 meses num ano; 12 apóstolos; 12 deuses olímpicos ou 12 tábulas da Lei Romana.
É pelo facto do número doze ter um significado especial na sociedade europeia ocidental que foi escolhido um campo azul (cor eminentemente mariana) com doze estrelas, para a actual bandeira da União Europeia. Neste momento o número de estrelas está fixado em doze e nada tem a ver com o número de estados membros da UE.
Em 1950 o Conselho da Europa abriu um concurso de ideias para uma bandeira, e Arsene Heitz, artista de 80 anos de Estrasburgo apresentou um projecto surpreendente que ganhou o concurso: 12 estrelas sobre um fundo azul.
O artista explica como se inspirou para o seu projecto. Na altura andava a ler a história das aparições de Nossa Senhora a Catarina Labouré (ver representação seguinte). Essas aparições deram origem à Medalha Milagrosa.

O artista pensou na imagem de Nossa Senhora da Conceição, que representa a figura do Apocalipse: “Grandioso sinal apareceu no céu: uma Mulher com o Sol a servir-lhe de manto, com a Lua debaixo dos pés, e, na cabeça, uma coroa de doze estrelas (Ap 12, 1). Na bandeira da UE, nem as estrelas, nem o azul da bandeira são símbolos religiosos. O número 12 é um “algarismo de plenitude”. Assim, sem se dar por isso a proposta de Arsene Heitz foi aceite e adoptada oficialmente em 1955, no dia 8 de Dezembro, dia da Festa Litúrgica de Nossa Senhora da Conceição.

O dogma da Imaculada Conceição foi definido pelo papa Pio IX a 8 de Dezembro de 1854, pela bula Ineffabilis. A instituição da ordem militar de Nossa Senhora da Conceição por D. João VI sintetiza o culto que em Portugal sempre teve essa crença antes de ser dogma.
É ao longo do século XVI que se consolida a representação da Virgem sobre o crescente lunar que chega à América na invocação da Virgem de Guadalupe, cuja primeira representação conhecida data de 1531. Na Europa a representação da Virgem associada ao crescente lunar parece ter-se difundido largamente através dos livros de horas (livros de oração utilizados por boa parte da comunidade letrada europeia). Note-se que até então este conjunto de atributos foi associado à Virgem, e não especificamente à Imaculada Conceição. Mas é justamente entre os séculos XVI e XVII que aparecem as primeiras representações da Imaculada Concepção como a reconhecemos hoje. Ao crescente lunar, foi adicionada uma serpente que por vezes aparece mordendo uma maçã, e colocada sob o pé da Senhora, numa clara alusão à descrição do Apocalipse.
Embora a associação da Virgem com a lua tenha sido herdada da deusa Vénus romana, ela também aparece no Cântico dos Cânticos e na Litania. O seu aparecimento sob os pés da Virgem, assim como a adição da coroa de doze estrelas e da serpente, são “acrescentos” realizados a partir do final do século XVI.
No século XVI, tal como se referiu anteriormente, ocorreu a aparição da Virgem de Guadalupe, no México. A Virgem é representada num manto azul turquesa que era a cor sagrada dos índios Nahua. Os índios mexicanos viviam sob as estrelas e a virgem está rodeada de raios dourados simbolizando o Sol, a luz do mundo e da vida. No manto estão representadas as constelações de estrelas do céu do dia da aparição: 12 de Dezembro de 1531 (ver imagem seguinte).

Na figura seguinte, apresentam-se as estrelas fulgentes (as mais brilhantes do céu) que formam as constelações dos hemisférios celestiais norte e sul. À direita, no manto, estão as constelações do hemisfério celestial Sul e à esquerda as do hemisfério celestial Norte.
São em grande número as incorporações de símbolos astronómicos ou astrológicos nas imagens da Imaculada Conceição, alguns de grande precisão científica, como é o caso da Virgem de Guadalupe, enquanto noutras há apenas uma tentativa de representar algumas metáforas bíblicas ou símbolos litânicos.
No manto da Senhora de Guadalupe temos as constelações que se situam no pólo do hemisfério celestial norte, como a Ursa Maior, Ursa Menor (esta constelação contem a estrela polar, extremamente importante para a navegação desde os descobrimentos até aos finais do século XVIII) e sobre o pólo celestial sul vê-se perfeitamente o Cruzeiro do Sul (equivalente à Ursa menos, no hemisfério sul, também ela muito importante para a navegação). O facto de representar nessa época e com pormenor, no manto de Nossa Senhora, as constelações dos dois hemisférios celestiais, confere-lhe, tal como Camões atribui a Vénus nos Lusíadas, o atributo de Protectora dos Navegantes.

Consta que o início da devoção à Nossa Senhora dos Navegantes (ver imagem seguinte) se originou na Idade Média na altura das Cruzadas. Sob o título de "Estrela do Mar", os cruzados pediam a sua protecção quando faziam a travessia do Mediterrâneo em direcção à Palestina.
Tal tradição foi mantida e difundida pelos navegadores portugueses e espanhóis, disseminando-se entre os pescadores, principalmente nas terras colonizadas por Espanha e Portugal.
Esses atributos de guia (grande estrela, estrela da manhã ou da noite, tal como Vénus), através das águas pelos céus, estão bem patentes na oração que os fiéis lhe dedicam: “Avé Estrela do Mar, Virgem poderosíssima, Mãe e advogada de todos os que navegam no mar proceloso da vida. A vossa valiosa protecção confiou-nos o Vosso Divino Filho, para serdes nosso guia, protector, consolo e alento durante a nossa vida terrestre. Refugiamo-nos cheios de confiança debaixo do Vosso manto maternal. Sê nossa guia, sê nosso farol, sê sempre a nossa brilhante Estrela do Mar que nos orienta, afim de que nunca pereçamos nem nos desnorteamos da rota segura que nos levará ao porto da eterna bem aventurança, onde em companhia vossa, do Vosso Divino Filho e de todos os santos gozemos a serenidade da vida em Deus para sempre”.


A imagem de Nossa Senhora da Conceição do Museu de Angra do Heroísmo, é uma obra de arte popular, com elementos singulares: a coroa de príncipe, estrelas no manto descuidadamente desenhadas e apenas na frente, ausência de anjos alados a suportar a Lua, tarja decorada com motivos fitomórficos na proximidade dos debruns e botins brancos, e com uma Lua em forma de barco.